Educação distribuída em vários ambientes, incluindo os digitais, com
maior foco no aluno. Para Martha Gabriel, consultora e palestrante nas
áreas de marketing digital, inovação e educação, autora da obra Educ@r – A (r)evolução digital na educação (Ed. Saraiva), essas são as principais características do ensino na era das novas tecnologias.
“Existir espaços físicos tanto quanto espaços virtuais é o [caminho]
natural para esse cenário. Deve haver uma transformação das escolas para
abraçar essa nova necessidade”, afirma Martha, em entrevista à Gestão Educacional.
Ela destaca que as mudanças são profundas e acontecem no cérebro dos
alunos e nas habilidades desenvolvidas, o que resulta em transformações
sociais.
Apesar de a tecnologia estar
presente no cotidiano de boa parte das pessoas, Martha comenta que o
percentual de professores que usam a internet em sala de aula ainda é
pequeno – em torno de 20%. Por isso, a transformação da escola passa
pela capacitação e atualização do professor, que deve aprender a usar as
ferramentas e a conectar com sua utilização o desenvolvimento das
habilidades necessárias para os novos tempos: pensamento crítico,
criatividade e conexão, tanto de dados quanto de pessoas. “O professor
nunca foi tão importante. Ele é o agente catalisador dessa ‘paideia’
digital”, ressalta. Ela também chama a atenção do gestor para o fato de
que a escola tem que estar atenta a todos os seus públicos – alunos,
professores, pais, funcionários –, e sugere o uso da tecnologia para
fortalecer a marca da instituição de ensino. Acompanhe, na entrevista a
seguir, as orientações da especialista.
Gestão Educacional: O que se deve esperar da educação na era digital?
Martha Gabriel: A educação na era digital é muito
mais focada no aluno e muito mais distribuída em vários ambientes.
Assim, existir espaços físicos tanto quanto espaços virtuais é o
[caminho] natural para esse cenário. Deve haver uma transformação das
escolas para abraçar essa nova necessidade. As pessoas vão nascer e vão
começar a utilizar [a tecnologia] dessa maneira. E elas não vão gostar
de ficar confinadas. Estamos vivendo a segunda maior revolução cognitiva
da história, e não temos noção de quanto isso vai impactar no
desenvolvimento da sociedade. Veja quanta coisa que [antes] [era]
impossível e começa [agora] a ser feita, de acordo com o que a gente
observa nos últimos dez anos. A gente deve ver acelerando ainda mais nos
próximos anos.
Gestão Educacional: E como a escola e o professor devem se
preparar para esse cenário? Você ressalta que não adianta só dar a
ferramenta tecnológica ao professor.
Martha: Exatamente. Defendo a educação para o
professor. Precisa haver educação, capacitação, utilização de todas as
ferramentas. E ele precisa entender não só como usar a ferramenta, mas
como ela se conecta com outras. A palavra de ordem hoje é conexão, além
de velocidade, mudança e inovação. Se ele [o professor] entender isso,
vai ajudar o aluno a entender também, e aí vai encantar o aluno nesse
processo. Há alguns vídeos que mostram que nada na história da
humanidade foi feito por uma pessoa só. Tudo é
remix,
reaproveitamento, reutilização de invenção de outros, e a partir daí
você vem com uma nova invenção. Nunca foi tão fácil fazer isso, hoje
está tudo à disposição para qualquer um. Antes, você tinha que saber
usar um editor de vídeo, agora está tudo muito fácil. O professor
conseguir articular isso com os alunos é essencial. Mas ele precisa,
primeiro, ser capacitado. Estamos vivendo um período de revolução – são
os professores que vêm do passado para a atualidade. Os novos
[professores] que virão, já vão ser criados nesse novo formato e daqui a
20 anos a gente não estará mais discutindo isso, porque será um
processo natural.
Gestão Educacional: Que dicas você dá para o professor começar a utilizar a tecnologia e as redes sociais?
Martha: A primeira dica é: comece a usar. Tem que
pôr a mão na massa, tem que capacitar, porque aí se começa a ter ideias.
E a segunda é: não adianta só falar para o aluno “vamos ‘tuitar’,
postem no Facebook”. O professor tem que orientar o que tem que ser
feito, indicar qual é a atividade. Tem que dar aquele
sparkle [brilho],
tornar aquela coisa divertida. Se aquilo for colocado de maneira
interessante, o aluno só prestará atenção no professor e vai usar essas
plataformas para isso. Senão, na hora em que o professor falar: “pode
todo mundo entrar no Twitter para fazer tal coisa”, eles vão, na
realidade, checar os
status deles e conversar uns com os
outros. Agora, se o professor focar… há “n” exemplos de professores que
já estão fazendo isso, nos quais o desempenho dos alunos tem sido
sensacional, a satisfação [do aluno] é maior, [bem como] a do próprio
professor, que se torna mais admirado, mais respeitado. A dica é: comece
a usar. No começo, todo mundo usa mal qualquer coisa. Se eu for usar
qualquer coisa que eu não conheço, eu vou [usar mal]. Depois, você
adquire proficiência naquilo e aí você começa a fazer aquilo que gosta,
por exemplo, conectar e ajudar os outros.
Gestão Educacional: Como tornar a aula mais atrativa para esse aluno da era digital?
Martha: Tem que usar o digital. E não está só lá [na
escola]. Eu não consigo mais escrever um livro sem tecnologia. Às
vezes, eu ouço o pessoal falar: professor tem que obrigar o aluno a
estar [na sala] naquele momento, a fazer um trabalho obrigatório em sala
de aula. Se o professor fizer isso, o aluno vai fazer, mas vai fazer
por obrigação, com má vontade, com o coração irado. Se o professor
engajar-se para o aluno fazer uma coisa divertida, ele vai lembrar-se
dele para o resto da vida, [porque o professor] vai inspirá-lo. Há uma
série de vídeos que mostra formas para se tentar fazer coisas que as
pessoas não fazem com boa vontade. Um deles* mostra como fazer as
pessoas optarem por subir em uma escada normal e não em uma escada
rolante. Eu posso fechar a escada rolante, e você vai subir pela outra,
xingando. Mas, eles [a produção do vídeo] colocaram, da noite para o
dia, na escada normal, um piano. Cada degrau é uma tecla de piano [com
som]. No dia seguinte, eles avaliaram quantas pessoas subiam pelo
“piano” e quantas pela escada rolante. Aumentou consideravelmente a
quantidade de pessoas que subiam pelo “piano”, e subiam e desciam
felizes da vida. Ou seja, o professor vai ter que fazer esse “piano”,
ele vai ter que fazer essas conexões para que o aluno queira, de boa
vontade, estudar aquele conteúdo que é importante para a aula, para
aquele momento.
Gestão Educacional: Diante de tudo isso, é necessária também uma readequação pedagógica do currículo?
Martha: Eu acho [que sim], porque hoje o currículo é
feito como se o aluno fosse um soldado. Idade “x” a “y” aprende as
mesmas coisas, e você tem que estar no mesmo nível de desenvolvimento do
outro. E tem criança que, às vezes, é mais lenta no começo e depois ela
acelera. Além de que, os interesses são distintos. Não precisa ser todo
mundo igual, hoje o mundo é múltiplo. É necessária uma readequação –
não digo para todas as idades, nem no currículo inteiro – de algumas
coisas que são básicas, essenciais, e que dê abertura para interesses
pessoais. [Dessa forma], a escola estaria propiciando uma diversidade
social muito maior e as pessoas estariam fazendo coisas em que o coração
está batendo forte. Para a gestão, hoje, o grande problema das empresas
é que todo mundo pode empreender, não há mais fronteiras para as
pessoas tornarem-se empreendedoras, é muito fácil, todo mundo está
conectado, a tecnologia barateou. Você não retém mais na empresa as
pessoas com talento, porque elas querem empreender fora. Como é que você
faz para reter talento? Deixa empreender [na empresa]. Se a escola
preparar pessoas que são capacitadas para empreender e que usem o
coração, vai funcionar. Senão, não. Como é que você faz para os alunos
usarem o coração? É só colocar foco nos interesses que eles têm no dia a
dia, e eles fazem com todo amor. É uma reestruturação que eu acho que
passa por professores. Não digo a educação em si, de como se engaja o
outro, acho que o professor sabe fazer isso. Mas como articular tudo
isso, fazer funcionar o que é múltiplo, fragmentado, descentralizado?
Esse é um desafio que ainda não tem resposta, o mundo inteiro está
estudando isso, e tentando, experimentando, para chegar a soluções que
deem resultados melhores.
Gestão Educacional: Como a escola deve usar a tecnologia e as redes sociais de forma institucional?
Martha: Como qualquer empresa. É preciso ter
branding [relacionado
à gestão de marca], saber o que se quer, saber quem é o seu
público-alvo ou os públicos-alvo) – é professor, é pai, é aluno, é no
geral –, e tem que ter produtos para todos eles. Pensar na instituição
como uma empresa. E todas as empresas estão enfrentando hoje o mesmo
desafio, porque as pessoas têm voz, e elas podem criticar como elas
podem elogiar. E nas escolas também – tanto os funcionários, quanto os
alunos e os professores [têm voz]. É a mesma coisa [que uma empresa].
Tem que ter planejamento de marketing, pessoas que entendam de novas
plataformas e saibam atuar nisso, [implantar] educação interna para cada
colaborador, seja ele professor, seja ele funcionário de uma empresa,
pois ele é porta-voz da empresa. A dica é: tem que fazer a lição de casa
e se capacitar. A solução para tudo é a educação. Hoje, não se resolve
nada sem educação. É o mesmo processo. E habilitando profissionais na
área de marketing, que entendam do cenário digital.
http://www.martha.com.br/a-educacao-na-era-digital-entrevista-de-martha-gabriel-para-gestao-educacional/